Há 27 anos, uma professora de Educação Física da Baixada Fluminense tem dado outro significado para a palavra esporte. Jacqueline Moreira criou uma metodologia diferenciada para trabalhar as necessidades de crianças com deficiência através da Natação, possibilitando o crescimento cognitivo, motor e a autoconfiança. Hoje, 18 alunos, entre autistas, mielomeningocele, down, artrogripose, osteogênese imperfeita (ossos de cristais), hidrocefalia, cego e com paralisia cerebral, utilizam o método Aracati para desenvolver as suas potencialidades e romper as barreiras do preconceito e das limitações. As aulas são promovidas na Escola de Natação Pingo D’agua, em Nova Iguaçu.
Quem passa em frente ao estabelecimento onde as aulas são executadas, talvez, não imagine a dimensão do impacto realizado pelo trabalho nas crianças da região. A proposta da metodologia é dar a oportunidade a esse público de desenvolver no esporte. Alguns alunos já participam de competições e apresentações, contrariando os pareceres médicos, uma delas é Ana Luz, de 11 anos, filha de Jacqueline e Alexandre Mendonça. A pequena é portadora da Síndrome da Artrogripose Múltipla Congênita (AMC), uma condição rara caracterizada por alterações na pele, na circulação, ossos, tendões, articulações, veias e nos músculos.
Por conta da síndrome, Ana teve os movimentos afetados como também a sua postura em virtude de apresentar elevado grau de cifose e escoliose na coluna, cerca de 180 graus. Ana teve sorte por começar a utilizar o Método Aracati desde o seu 1ᵒ ano de idade, pois esse trabalho contribuiu para a prevenção da parte cardiovascular, respiratória, articular e muscular, desenvolvendo diretamente os aspectos motor, cognitivo e afetivo. Relatos médicos, compartilhados pelos pais, informam que Ana só suportou as 16 cirurgias porque fisicamente se encontrava muito bem. “A Natação deu a liberdade para a Ana fazer movimentos que ela não pode em solo”, disse o Alexandre.
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Ela não é a única a colher os frutos positivos da metodologia. Alexandre Acete, de 32 anos, portador de síndrome de Down, nada há 26 anos na escola e grande parte do seu desenvolvimento foi possibilitado por conta do projeto. “Fisicamente, ele consegue fazer suas atividades diárias muito bem; nos aspectos psicomotor ele executa bem as atividades sem dificuldade; na parte cognitiva, compreende os comandos; e afetivamente está sempre disposto a ajudar. Os médicos nos informaram ainda que todas as taxas estão controladas”, disse Jacqueline.
Isaac, de 11 anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista aos 2 anos e 8 meses, também apresentou notáveis evoluções ao longo dos 5 anos de atividade. De acordo com o pai, Edvaldo Carvalho, a natação trouxe benefícios motores, cognitivos e sociais para o pequeno. “É emocionante olhar o meu filho hoje e ver como ele se desenvolveu aqui (na natação), contrariando todos os prognósticos médicos”. Para ele, o diferencial técnico e o tratamento humanizado contribuíram para isso.
Em seu trabalho como orientador pedagógico, Edvaldo tem contato com pais que lidam com as mais diversas deficiências e síndromes. “Tento explicar que a nossa função é ser uma ferramenta para ajudar os nossos filhos a ter autonomia para que encarem a lógica da vida, que é sobreviver aos pais, com a máxima independência em todas as áreas para que tenham o mínimo de dificuldade ao encarar os desafios do mundo lá fora”. Parece que essa lógica tem funcionado com Isaac que disse estar feliz com a vida que tem.
O Método Aracati trabalha de forma inter e multidisciplinar sobre diversos aspectos das ciências da saúde em correlação com as ciências humanas, o que favorece uma ampliação do campo de investigação na Educação Física e de sua aplicação na prática aquática. As atividades são organizadas com o objetivo de estimular um melhor delineamento da aprendizagem motora, atuando tanto como tratamento para essa criança, quanto como vivência prazerosa e inclusiva, capacitando-a a conviver e a se desenvolver positivamente, na prática propriamente dita da modalidade que é a natação e sua inserção na sociedade.
As aulas são realizadas em uma piscina de 18 metros e, geralmente, são individuais com duração de 20 minutos, para crianças de seis meses a 9 anos de idade, e 30 minutos, de 12 anos até 16 anos. Crianças que necessitam do colo são acompanhadas por um profissional dedicado que fica dentro d’água com o aluno no colo. O desenvolvimento do aluno é acompanhado através de relatórios em conjunto com outros profissionais, médicos e terapeutas.
O método recebeu esse nome em homenagem ao pai da profissional, que é da cidade Aracati, no estado do Ceará, e também professor de Educação Física, campeão do mundo de pentatlo naval pela Marinha do Brasil, e ao sogro que se chamava Aracati. Ele funciona em 8 etapas: deslocamento na água, vínculo entre professor e aluno, gancho – comunicação verbal e/ou corporal-, atender aos comandos, uso do material didático, disciplina e limite, imersão e nadar por imitação dos movimentos dos professores.